quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Montanha Mágica, p. 61-2

"- Homem muito simpático - repetiu Hans Castorp. - Tem um jeito tão desembaraçado de falar! Dá gosto ouvilo. Essa do charuto de mercúrio para designar o termômetro é mesmo muito boa. Compreendi logo... Mas agora vou acender um charuto de verdade - disse, estacando. - Já não aguento mais sem ele. Desde o meio-dia de ontem que não fumo nada que preste. Com licença! - Tirou da charuteira de couro, enfeitada com as suas iniciais em prata, um Maria Mancini, belo exemplar da camada superior da caixa, achatado em uma face, como ele gostava especialmente. Cortou a ponta com uma pequena guilhotina de corte angular que trazia na corrente do relógio. Acendeu o isqueiro, pôs fogo ao charuto bastante comprido, de ponta vertical, e tirou algumas baforadas gostosas. - Muito bem - disse então -, quanto a mim, podemos continuar o passeio. Você não fuma, claro, devido àquele excesso de entusiasmo.

- Nunca fumei - respondeu Joachim. - Para que fumaria justamente aqui?
- Não compreendo você - disse Hans Castorp. - Simplesmente não compreendo como alguém possa viver sem fumar. Priva-se, por assim dizer, do que há de melhor na vida. Em todo caso, escapa-lhe um prazer magnífico. Quando acordo pela manhã, já me alegro com a idéia de poder fumar durante o dia, e quando tomo uma refeição, já penso em fumar depois. Sim, senhor, posso dizer, com um pouco de exagero, que como apenas para ter uma oportunidade de fumar. Um dia sem tabaco seria para mim o cúmulo da insipidez, um dia totalmente vazio, sem o mínimo atrativo, e se eu qualquer dia despertasse sabendo que não poderia fumar, acho que não teria coragem nem para me levantar. Francamente ficaria na cama. Olhe, quando a gente fuma um charuto que puxa bem... claro que não deve estar furado, o que constitui um defeito muito desagradável... quero dizer, quando a gente fuma um charuto bom, sente-se garantido e nada lhe pode acontecer. É a mesma coisa que deixar-se ficar deitado numa praia; fica-se deitado, não é?, não se tem necessidade de nada, nem de trabalho nem de distrações... E fuma-se no mundo inteiro, graças a Deus! Ao que me parece, não existe nenhum lugar onde esse prazer seja desconhecido, por mais longe que nos arraste o destino. Até os exploradores das regiões polares levam fumo em abundância, para que possam aguentar os esforços das suas viagens. Isto sempre me pareceu simpático. Pode acontecer que uma pessoa ande muito mal... Suponhamos, por exemplo, que eu me encontre num estado lamentável... mas, quando tiver o meu charuto, aguentarei firme, disso tenho certeza. O charuto me faria vencer qualquer obstáculo.

- Contudo, é um sinal de fraqueza - objetou Joachim - depender do fumo a esse ponto. Behrens tem toda a razão: você é um paisano. Ele disse isso em sentido elogioso, mas você é mesmo um paisano incorrigível. Mas, afinal de contas, anda bem de saúde e pode fazer o que quiser - acrescentou, e seus olhos assumiram uma expressão cansada." (MANN, 1952, p. 61-2).


MANN, T. A Montanha Mágica. 1. ed. Trad. Herbert Caro. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1952.

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