sexta-feira, 18 de março de 2011

Brejo das almas: O amor bate na aorta, p. 57-9

O amor bate na aorta


"Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito!

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender..." (ANDRADE, 2009, p. 57-9).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Brejo das almas: Um homem e seu carnaval, 56-7

Um homem e seu carnaval


"Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido.
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.

O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.

Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter

curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente." (ANDRADE, p. 56-7).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Brejo das almas: Soneto da perdida esperança, p. 55

Soneto da perdida esperança


"Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno." (ANDRADE, 2009, p. 55).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Brejo das almas: Boca, p. 55

Boca


"Boca: nunca te beijarei.
Boca de outro, que ris de mim,
no milímetro que nos separa,
cabem todos os abismos.

Boca: se meu desejo
é impotente para fechar-te,
bem sabes disto, zombas
de minha raiva inútil.

Boca amarga pois impossível,
doce boca (não provarei),
ris sem beijo para mim,
beijas outro com seriedade." (ANDRADE, 2009, p. 55).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Alguma poesia: Poema da purificação, p. 50

Poema da purificação


"Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.

As águas ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.

Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador." (ANDRADE, 2009, p. 50).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Explicação, p. 47-8

Explicação


"Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
Para beber, copo de cristal, canequinha de folha de flandres,
folha de taioba, pouco importa: tudo serve.

Para louvar a Deus como para aliviar o peito,
queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos
é que faço meu verso E meu verso me agrada.

Meu verso me agrada sempre...
Ele às vezes tem o ar sem-vergonha de quem vai dar uma cambalhota,
mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota.
Eu bem me entendo.
Não sou alegre. Sou até muito triste.
A culpa é da sombra das bananeiras de meu país, esta sombra mole, preguiçosa.

Há dias em que ando na rua de olhos baixos
para que ninguém desconfie, ninguém perceba
que passei a noite inteira chorando.
Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,
de repente ouço a voz de uma viola...
saio desanimado.
Ah, ser filho de fazendeiro!
À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrego vagabundo,
é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.

E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.
Aquela casa de nove andares comerciais
é muito interessante.
A casa colonial da fazenda também era...
No elevador penso na roça,
na roça penso no elevador.

Quem me fez assim foi minha gente e minha terra
e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.
Para mim, de todas as burrices, a maior é suspirar pela Europa
A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro
e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente.
O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.
Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,
lê o seu jornal, mete a língua no governo,
queixa-se da vida (a vida está tão cara)
e no fim dá certo.

Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?" (ANDRADE, 2009, p. 47-8).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Outubro de 1930, 44-6

Outubro de 1930


"Suores misturados
no silêncio noturno.
O companheiro ronca.
O ruído igual
dos tiros e o silêncio
na sala onde os corpos
são coisas escuras.
O soldado deitado
pensando na morte.

De 5 em 5 minutos um ciclista trazia ao Estado Maior um feixe de telegramas contendo, comprimida, a trepidação dos setores. O radiotelegrafista ora triste ora alegre empunhava um papel que era a vitória ou a derrota. Nós descansávamos, jogados sobre poltronas, e abríamos para as notícias olhos que não viam, olhos que perguntavam. Às 3 da madrugada, pontualmente, recomeçava o tiroteio.

O funcionário deitado
não pensa na morte.
Pensa no amor
tornado impossível
no minuto guerreiro.
E fecha os olhos
para ver bem
o amor com sua espada
de fogo sobre a cabeça
de todos os homens,
legalistas, rebeldes.

O inimigo resistia sempre e foi preciso cortar a água do quartel. Como resistisse ainda, a água circulou de novo, desta vez azul, de metileno. A torneira aberta escorre desinfetante. O canhão fabricado em Minas - suave temperamento local - não disparou.

Olha a negra, olha a negra,
a negra fugindo
com a trouxa de roupa,
olha a bala na negra,
olha a negra no chão
e o cadáver com os seios enormes, expostos, inúteis.

O general, com seus bigodes tumultuosos, era o mais doce dos seres, e destilava uma ternura vaporosa em seu costume de usar culotte sem perneiras. A um canto do salão atulhado de mapas e em que telefones esticados retiniam trazendo fatos, levando ordens, eu fazia, exercício fácil, a caricatura do seu imenso nariz. Que todos acharam ótima e reprovaram com indignação cívica.

A esta hora no Recife,
em Guaxupé, Turvo, Jaguara,
Itararé,
Baixo Guandu,
Igarapava,
Chiador,
homens estão se matando
com as necessárias cautelas.
Pelo Brasil inteiro há tiros, granadas,
literatura explosiva de boletins,
mulheres carinhosas cosendo fardas
com bolsos onde estudantes guardarão retratos
das respectivas, longínquas namoradas,
homens preparando discursos,
outros, solertes, captando rádios,
minando pontes,
outros (são governadores) dando o fora,
pedidos de comissionamento
por atos de bravura,
ordens do dia,
'o inimigo (?) retirou-se em fuga precipitada,
deixando abundante material bélico,
cinco mortos e vinte feridos...'
Um novo, claro Brasil
surge, indeciso, da pólvora.
Meu Deus, tomai conta de nós.

Deus vela o sono dos brasileiros.
Anjos alvíssimos espreitam
a hora de apagar a luz de teu quarto
para abrirem sobre ti as asas
que afugentam os maus espíritos
e purificam os sonhos.
Deus vela o sono e o sonho dos brasileiros.
Mas eles acordam e brigam de novo." (ANDRADE, 2009, p. 44-6).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Epigrama para Emílio Moura, p. 41

Epigrama para Emílio Moura


"Tristeza de ver a tarde cair
como cai uma folha.
(No Brasil não há outono
mas as folhas caem.)

Tristeza de comprar um beijo
Como quem compra jornal.
Os que amam sem amor
não terão o reino dos céus.

Tristeza de guardar um segredo
que todos sabem
e não contar a ninguém
(que esta vida não presta)." (ANDRADE, 2009, p. 41).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Balada do amor através das idades, p. 38-9

Balada do amor através das idades


"Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.

Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria do meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal da cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
Eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos." (ANDRADE, 2009, p. 38-9).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Anedota búlgara, p. 36

Anedota búlgara


"Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade." (ANDRADE, 2009, p. 36).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: O sobrevivente, p. 35

O sobrevivente

A Cyro dos Anjos


"Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há maquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a O Jornal que ainda
falta muito para atingirmos um nível
razoável de cultura. Mas até lá, felizmente,
estarei morto.
Os homens não melhoraram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heroicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)" (ANDRADE, 2009, p. 35)


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Papai Noel às avessas, p. 32-3

Papai Noel às avessas

A Afonso Arinos (sobrinho)


"Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papais-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças.
Papai entrou compenetrado.

Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celuloide.

Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho da alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.

Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.

Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes." (ANDRADE, 2009, p. 32-3).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Fuga, p. 31-2

Fuga


"As atitudes inefáveis,
os inexprimíveis delíquios,
êxtases, espasmos, beatitudes
não são possíveis no Brasil.

O poeta vai enchendo a mala,
põe camisas, punhos, loções,
um exemplar da Imitação
e parte para outros rumos.

A vaia amarela dos papagaios
rompe o silêncio da despedida.
- Se eu tivesse cinco mil pernas
(diz ele) fugia com todas elas.

Povo feio, moreno, bruto,
não respeita meu fraque preto.
Na Europa reina a geometria
e todo mundo anda - como eu - de luto.

Estou de luto por Anatole
France, o de Thaïs, joia soberba.
Não há cocaína, não há morfina
igual a essa divina
papa-fina.

Vou perder-me nas mil orgias
do pensamento greco-latino.
Museus! estátuas! catedrais!
O Brasil só tem canibais.

Dito isso fechou-se em copas.
Joga-lhe um mico uma banana,
por um tico não vai ao fundo.

Enquanto os bárbaros sem barbas
sob o Cruzeiro do Sul
se entregam perdidamente
sem anatólios nem capitólios
aos deboches americanos." (ANDRADE, 2009, p. 31-2).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Poesia, p. 28

Poesia


"Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira." (ANDRADE, 2009, p. 28).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Nota social, p. 26-7

Nota social


"O poeta chega na estação.
O poeta desembarca.
O poeta toma um auto.
O poeta vai para o hotel.
E enquanto ele faz isso
como qualquer homem da terra,
uma ovação o persegue
feito vaia.
Bandeirolas
abrem alas.
Bandas de música. Foguetes.
Discursos. Povo de chapéu de palha.
Máquinas fotográficas assestadas.
Automóveis imóveis.
Bravos...
O poeta está melancólico.

Numa árvore do passeio público
(melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
de anúncios coloridos,
árvore banal, árvore que ninguém vê
canta uma cigarra.
Canta uma cigarra que ninguém ouve
um hino que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.

O poeta entra no elevador
o poeta sobe
o poeta fecha-se no quarto.

O poeta está melancólico." (ANDRADE, 2009, p. 26-7).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Poema do jornal, p. 25-6

Poema do jornal


"O fato ainda não acabou de acontecer
e já a mão nervosa do repórter
o transforma em notícia.
O marido está matando a mulher.
A mulher ensanguentada grita.
Ladrões arrombam o cofre.
A polícia dissolve o meeting.
A pena escreve.

Vem da sala de linotipos a doce música mecânica." (ANDRADE, 2009, p. 25-6).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Poema que aconteceu, p. 23-4

Poema que aconteceu


"Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse." (ANDRADE, 2009, p. 23-4).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Alguma poesia: Igreja, p. 23

Igreja

A Wellingyon Brandão


"Tijolo
areia
andaime
água
tijolo.
O canto dos homens trabalhando trabalhando
mais perto do céu
cada vez mais perto
mais
- a torre.

E nos domingos a litania dos perdões, o murmúrio das invocações.
O padre que fala do inferno
sem nunca ter ido lá.
Pernas de seda ajoelham mostrando geolhos.
Um sino canta a saudade de qualquer coisa sabida e já esquecida.
A manhã pintou-se de azul.
No adro ficou o ateu,
no alto fica Deus.
Domingo...
Bem bão! Bem bão!
Os serafins, no meio, entoam quirieleisão." (ANDRADE, 2009, p. 23).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: No meio do caminho, p. 22

No meio do caminho


"No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra." (ANDRADE, 2009, p. 22).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Sentimental, p. 22

Sentimental


"Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!

- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
'Neste país é proibido sonhar.'" (ANDRADE, 2009, p. 22).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Política literária, p. 21

Política literária

A Manuel Bandeira


"O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.

Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz." (ANDRADE, 2009, p. 21).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Cantiga de viúvo, p. 20

Cantiga de viúvo


"A noite caiu na minh'alma,
fiquei triste sem querer.
Uma sombra veio vindo,
veio vindo, me abraçou.
Era a sombra de meu bem
que morreu há tanto tempo.

Me abraçou com tanto amor
me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.

Depois riu devagarinho,
me disse adeus com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
Depois mais nada...
acabou." (ANDRADE, 2009, p. 20).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Lagoa, p. 19-20

Lagoa


"Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
não sei se ele é bravo.
O mar não me importa.

Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
e calma também.

Na chuva de cores
da tarde que explode
a lagoa brilha
a lagoa se pinta
de todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu vi a lagoa..." (ANDRADE, 2009, p. 19-20).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: A rua diferente, p. 19

A rua diferente


"Na minha rua estão cortando árvores
botando trilhos
construindo casas.

Minha rua acordou mudada.
Os vizinhos não se conformam.
Eles não sabem que a vida
tem dessas exigências brutas.

Só minha filha goza o espetáculo
e se diverte com os andaimes,
a luz da solda autógena
e o cimento escorrendo nas formas." (ANDRADE, 2009, p. 19).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Lanterna mágica, p. 15-9

Lanterna mágica


"I. Belo Horizonte

Meus olhos têm melancolias,
minha boca tem rugas.
Velha cidade!
As árvores tão repetidas.

Debaixo de cada árvore faço minha cama,
em cada ramo dependuro meu paletó.
Lirismo.
Pelos jardins de versailles
ingenuidade de velocípedes.

E o velho fraque
na casinha de alpendre com duas janelas dolorosas.


II. Sabará

A Anibal M. Machado

A dois passos da cidade importante
a cidadezinha está calada, entrevada.
(Atrás daquele morro, com vergonha do trem.)
Só as igrejas
só as torres pontudas das igrejas
não brincam de esconder.

O Rio das Velhas lambe as casas velhas,
casas encardidas onde há velhas nas janelas.
Ruas em pé
pé de moleque
PENÇÃO DE JUAQUINA AGULHA
Quem não subir direito toma vaia...
Bem feito!

Eu fico cá embaixo
maginando na ponte moderna - moderna por quê?
A água que corre
já viu o Borba.
Não a que corre,
mas a que não para nunca
de correr.

Ai tempo!
Nem é bom pensar nessas coisas mortas, muito mortas.
Os séculos cheiram a mofo
e a história é cheia de teias de aranha.
Na água suja, barrenta, a canoa deixa um sulco logo apagado.
Quede os bandeirantes?
O Borba sumiu,
Dona Pimenta morreu.

Mas tudo é inexoravelmente colonial:
bancos janelas fechaduras lampiões.
O casario alastra-se na cacunda dos morros,
rebanho dócil pastoreado por igrejas:
a do Carmo - que é toda de pedra,
a Matriz - que é toda de ouro.
Sabará veste com orgulho seus andrajos...
Faz muito bem, cidade teimosa!

Nem Siderúrgica nem Central nem roda manhosa de forde
sacode a modorra de Sabará-buçu.

Pernas morenas de lavadeiras,
tão musculosas que parece foi o Aleijadinho que as esculpiu,
palpitam na água cansada.

O presente vem de mansinho
de repente dá um salto:
cartaz de cinema com fita americana.

E o trem bufando na ponte preta
é um bicho comendo as casas velhas.


III. Caeté

A igreja de costas para o trem.
Nuvens que são cabeças de santo.
Casas torcidas.
E a longa voz que sobe
que sobe do morro
que sobe...


IV. Itabira

Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê.
Na cidade toda de ferro
as ferraduras batem como sinos.
Os meninos seguem para a escola.
Os homens olham para o chão.
Os ingleses compram a mina.

Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável.


V. São João Del-Rei

Quem foi que apitou?
Deixa dormir o Aleijadinho coitadinho.
Almas antigas que nem casas.
Melancolia das legendas.
As ruas cheias de mulas sem cabeça
correndo para o Rio das Mortes
e a cidade paralítica
no sol
espiando a sombra dos emboabas
no encantamento das alfaias.

Sinos começam a dobrar.
E todo me envolve
uma sensação fina e grossa.


VI. Nova Friburgo

Esqueci um ramo de flores no sobretudo.


VII. Rio de Janeiro

Fios nervos riscos faíscas.
As cores nascem e morrem
com impudor violento.
Onde meu vermelho? Virou cinza.
Passou a boa! Peço a palavra!
Meus amigos todos estão satisfeitos
com a vida dos outros.
Fútil nas sorveterias.
Pedante nas livrarias...
Nas praias nu nu nu nu nu nu.
Tu tu tu tu tu no meu coração.

Mas tantos assassinatos, meu Deus.
E tantos adultérios também.
E tantos tantíssimos contos do vigário...
(Este povo quer me passar a perna.)

Meu coração vai molemente dentro do táxi.


VIII. Bahia

É preciso fazer um poema sobre a Bahia...

Mas eu nunca fui lá." (ANDRADE, 2009, p. 15-9).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Europa, França e Bahia, p. 13-4

Europa, França e Bahia


"Meus olhos brasileiros sonhando exotismos.
Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um carangueijo.
Os cais bolorentos de livros judeus
e a água suja do Sena escorrendo sabedoria.

O pulo da Mancha num segundo.
Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas.
Tarifas bancos fábricas trustes craques.
Milhões de dorsos agachados em colônias longínquas formam um tapete para sua Graciosa Majestade Britânica pisar.
E a lua de Londres como um remorso.

Submarinos inúteis retalham mares vencidos.
O navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos arruinados.
Hamburgo, embigo do mundo.
Homens de cabeça rachada cismam em rachar a cabeça dos ourtos dentro de alguns anos.

A Itália explora conscienciosamente vulcões apagados,
vulcões que nunca estiveram acesos
a não ser na cabeça de Mussolini.
E a Suíça cândida se oferece
numa coleção de postais de altitudes altíssimas.

Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa.
Não há mais Turquia.
O impossível dos serralhos esfacela erotismos prestes a declanchar.
Mas a Rússia tem as cores da vida.
A Rússia é vermelha e branca.
Sujeitos com um brilho esquisito nos olhos criam o filme bolchevista e no túmulo de Lenin em Moscou parece que um coração enorme está batendo, batendo
mas não bate igual ao da gente...

Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
Minha boca procura a 'Canção do Exílio'.
Como era mesmo a 'Canção do Exílio'?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá!" (ANDRADE, 2009, p. 13-4).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Toada do amor, p. 13

Toada do amor


"E o amor sempre nessa toada:
briga perdoa perdoa briga.
Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?

Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito." (ANDRADE, 2009, p. 13).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Também já fui brasileiro, p. 12

Também já fui brasileiro


"Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olha para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isto, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não." (ANDRADE, 2009, p. 12).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Alguma poesia: Poema de sete faces, p. 9

Poema de sete faces


"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo." (ANDRADE, 2009, p. 9).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Introdução: Nova Reunião - Carlos Drummond de Andrade III

Posfácio à edição de bolso

DRUMMOND, POETA DE MUITAS FACES


"Em 1942, a Editora José Olympio reuniu em um volume, chamado Poesias, os títulos até então publicados pelo poeta Carlos Drummond de Andrade: Alguma poesia, Brejo das almas e Sentimento do mundo, aos quais se juntava o inédito José, com o poema homônimo que se tornaria um dos mais conhecidos do autor. À época, tinha Drummond 40 anos de idade, e fazia apenas 12 que lançara o primeiro livro. Já demonstrava, porém, saber que não só comporia versos, mas criaria uma obra, cumpriria uma carreira no cenário da nossa literatura. Havia, pois, que dar ao que escrevesse a feição de um corpus poético, à medida que outros trabalhos se unissem ao conjunto. Assim, vieram depois Poesia até agora, em 1948 (com o acréscimo de Novos poemas); Fazendeiro do ar e Poesia até agora, em 1954 (com mais Claro enigma e Fazendeiro do ar); e Poemas, em 1959, cuja novidade é A vida passada a limpo.

Foi em 1964 o lançamento, pela Editora Nova Aguilar, da Obra completa de Carlos Drummond de Andrade, 'organizada com a sua colaboração', como se lê na 'Nota Editorial'. Reeditada em 1967, a partir da terceira edição (1973), 'reorganizada pelo autor', passa a chamar-se Poesia completa e prosa, com uma seleção das crônicas anteriormente publicadas. A sexta edição, já intitulada Poesia e prosa, foi a última organizada por Drummond, em 1982, quando completou 80 anos de vida.

Em 1969, sai pela José Olympio a Reunião: 10 livros de poesia, com uma longa e substanciosa 'Introdução' em que Antônio Houaiss comenta aspectos de Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, José, A rosa do povo, Novos poemas, Claro enigma, Fazendeiro do ar, A vida passada a limpo e Lição de coisas. A 11ª edição (1983) denomina-se Nova reunião: 19 livros de poesia, em dois volumes: no primeiro, os originalmente coligidos, a que se acresceram A falta que ama e As impurezas do branco; no segundo, A paixão medida, Boitempo I, Boitempo II (Menino antigo), Boitempo III (Esquecer para lembrar), Viola de bolso (seleção), (seleção) e Versiprosa e Discurso de primavera e algumas sombras (seleção).

Agora, as Edições BestBolso lançam, em três volumes, a Nova reunião: 23 livros de poesia, com seleções de mais quatro títulos - Corpo, Amar se aprende amando, O amor natural e Farewell - que se somam aos anteriormente publicados. Um índice de livros e poemas, ao final de cada volume, e a seção Drummond vida e obra atualizada orientam a leitura desta antologia de bolso, para que se conheçam, mais e melhor, a vida e a poesia de Carlos Drummond de Andrade, nome que daria grandeza a qualquer literatura.

Falecido em 1987, aos 85 anos de idade, o autor de Claro enigma deixou uma obra que se impõe pela riqueza humana e pelo mérito literário. Obra que, rematada há 22 anos - a par de alguns poucos livros póstumos, como O amor natural (1992) e Farewell (1996) -, permite-nos, hoje, considerá-la na plenitude em que se consumou, como fazer humano e como criação artística. Já na primeira estrofe do primeiro poema do primeiro livro Drummond dizia a que viera, não como senhor das musas ou peregrino dos astros, mas como um brasileiro comum, destinado a sofrer e a errar:


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos!, ser gauche na vida.


Quinze anos mais tarde, em 'Procura da poesia', é outra a atitude do poeta:


Não faça ersos sobre acontecimentos.
(...)
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
(...)
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.


Contradição? Que seja, pois coerência ideológica pode ser matéria da política, da arte, não. Em 1984, na excelente entrevista que me concedeu, afirmava Drummond:


Eu acho que a função do poeta é produzir emoção, é derpertar no próximo um sentimento de beleza, de alegria, de tristeza - mas sobretudo um sentimento de comunhão com a vida (...) Então eu acho que o poeta cumprirá melhor sua missão se fizer versos e esses versos forem bons. Se os seus temas coincidirem com os problemas do mundo de hoje, tanto melhor; mas se ele contar apenas a sua dor de cotovelo, a sua emoção particular, ainda assim estará fazendo um bem à humanidade.


Assim, a dizer de si próprio ou a refletir sobre a condição humana, o poeta compôs uma obra em que se destacam 'certas características, preocupações e tendências que a condicionam ou definem, em conjunto', como escreveu na 'Informação' para a sua Antologia poética, lançada em 1962 pela Editora do Autor. E apresenta, como 'pontos de partida ou matéria de poesia', o indivíduo, a terra natal, a família, os amigos, o choque social, o conhecimento amoroso, a própria poesia, exercícios lúdicos e 'uma visão, ou tentativa de, da existência'.

Natural que essa poesia, abrangente e vigorosa, alcance de maneira tão profunda a sensibilidade dos leitores. Homens e mulheres, jovens e adultos que a leem no original em português e em traduções para mais de dez línguas: alemão, búlgaro, chinês, dinamarquês, espanhol, francês, holandês, inglês, italiano, norueguês, sueco, tcheco e até latim. Com tamanha força, a poética drummondiana vai além da literatura para renascer em outras artes: o poema 'A mesa' inspirou à artista plástica Yara Tupinambá, em 1992, um conjunto de óleos sobre tela; em 2002, o Grupo de Dança 1° Ato, de Belo Horizonte, coreografou a obra de Drummond no espetáculo 'Sem lugar'; Paulo Diniz musicou e gravou, em 1974, o poema 'José'; em 1985, foi a vez de Sérgio Ricardo, com 'Estória de João-Joana', apresentada como um 'cordel musical'; no disco E agora José? - Remix (2002), o músico Billy Forghieri faz Drummond 'cantar' seu famoso poema à maneira do rap, com um surpreendente toque de provocação e de modernidade...

No cinema, destacam-se os filmes O padre e a moça (1985), de Joaquim Pedro de Andrade, quase homônimo do poema ('O padre, a moça') em que se inspira; O vestido (2004), de Paulo Thiago, que conta a história evocada por Drummond em 'Caso do vestido'; e O amor natural (1996), documentário da diretora Heddy Honigmann para a televisão holandesa. Com os versos eróticos de Drummond em punho, a diretora anda por ruas e praias do Rio de Janeiro, a pedir que mulheres e homens maduros escolham uma página para ler. A proposta é gravar a reação desses senhores e senhoras respeitáveis ante poemas como 'A bunda, que engraçada' e 'O chão é cama'. O filme vale pela espontaneidade dos participantes e pela riqueza humana dos testemunhos.

Quanto à bibliografia sobre a obra poética de Carlos Drummond de Andrade, são muitos os livros, dissertações de mestrado, teses de doutorado, estudos acadêmicos e artigos de jornal, que se devem a críticos com a importância de Otto Maria Carpeaux, Antônio Houaiss, Affonso Romano de Sant'Anna, Hélcio Martins, Emanuel de Moraes, Luiz Costa Lima, Gilberto Mendonça Teles, Vagner Camilo, John Gledson, Joaquim-Francisco Coelho, José Guilherme Merquior, Linhares Filho, Carlos Augusto Viana, Domingo Gonzalez Cruz e Eduardo Dall'Alba, entre tantos outros. Junte-se, a esses nomes, o poeta e ensaísta argentino Manuel Graña Etcheverry, autor de La poética de Carlos Drummond de Andrade, pesquisa ainda inédita, em que cataloga 38 mil versos da lírica drummondiana e os submete à matemática aplicada à literatura, como fez Pierre Guiraud com a obra de baudelaire. Segundo o autor, na poesia de Drummond 86,3% dos versos são brancos, e 13,7%, rimados; contam-se 408 menções explícitas à poesia e a termos afins; acham-se 432 neologismos e leem-se 845 nomes próprios, que o pesquisador ordena por sexo e profissão.

Conclui-se, pois, que Carlos Drummond de Andrade não precisou de academias nem da glória do Nobel para que o reconheçamos, hoje, como um patrimônio da literatura brasileira. É o sentimento que nos dá esta Nova reunião drummondiana, convite irrecusável para a leitura (ou releitura) de 23 livros do homem que, com apenas duas mãos e o sentimento do mundo, soube transformar o tempo e a vida na mais pura e luminosa poesia." (ANDRADE, 2009, p. 411-4).


Edmílson Caminha
jornalista e escritor
Brasília, agosto de 2009


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Introdução: Nova Reunião - Carlos Drummond de Andrade II

Nota do editor


"Esta antologia de bolso, organizada em 3 volumes, tem como base a seleção de poemas feita por Carlos Drummond de Andrade e publicada com o título Reunião: 10 livros de poesia (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1969, volume único). A obra foi posteriormente ampliada pelo poeta e reeditada como Nova reunião: 19 livros de poesia (Rio de janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1983, em 2 e 4 volumes). Acréscimos à edição de 1983 foram selecionados pelos netos de Drummond, Pedro Augusto e Luis Mauricio, a partir dos livros Corpo (2001), Amar se aprende amando (2001), O amor natural (2002) E Farewell (2002). Assim surgiu esta Nova reunião: 23 livros de poesia, uma edição exclusiva da BestBolso.

É um grande orgulho publicar obra tão apaixonante; um contentamento imenso para a alma do editor e uma oportunidade especial para quem deseja ter o melhor da produção poética de Carlos Drummond de Andrade. Entre os importantes diferenciais desta antologia, destacamos o Índice de livros e poemas ao final de cada volume, bem como a seção atualizada Drummond vida e obra, parte integrante do volume 3.

A organização do conteúdo segue o trabalho original de Drummond para a José Olympio, mas a preparação de textos foi baseada em edições mais recentes, publicadas pela Editora Record: Alguma poesia (2001), Brejo das almas (2001), Sentimento do mundo (2001), (2001), José e outros (2001), A rosa do povo (2001), Claro enigma (2001), A vida passada a limpo (2002), A falta que ama (2002), As impurezas do branco (2003), A paixão medida (2002), Boitempo: menino antigo (2005), Boitempo: esquecer para lembrar (2005), Discurso de primavera e algumas sombras (2006). Tais edições seguem os originais de Carlos Drummond de Andrade que integram o acervo do poeta no Museu de Literatura brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa." (ANDRADE, 2009, p. 5).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Introdução: Nova Reunião - Carlos Drummond de Andrade I

Biografia


"Carlos Drumond de Andrade (1902-1987) nasceu em Itabira, Minas Gerais. Em 1921, vivendo em Belo Horizonte com a família, teve seus primeiros trabalhos publicados no Diário de Minas. Em 1924, conheceu Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral e nessa mesma época deu início a uma longa correspondência com Mário de Andrade, de quem recebeu orientação literária. Em 1927, fixou-se em Belo Horizonte trabalhando comop redator e depois redator-chefe do jornal Diário de Minas. Em 1928, publicou na Revista de Antropofagia, de São Paulo, o poema No meio do caminho, que suscitou polêmica no meio literário. Dois anos depois lançou o primeiro livro, Alguma poesia, sob o selo imaginário de Edições Pindorama. Brejo das almas foi editado em 1934, mesmo ano em que Drummond se transferiu para o Rio como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, então ministro da Educação e Saúde. Em 1940, publicou Sentimento do mundo. Só a partir de 1942 teve seus livros custeados pela José Olympio, editora em que permaneceu até hoje. A década de 1950 foi marcada por obras importantes, como Claro enigma, Viola de bolso, Fazendeiro do ar e Fala, amendoeira.

Ao completar 80 anos, o escritor recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e foi homenageado com exposições comemorativas na Biblioteca Nacional e na Fundação Casa de Rui Barbosa. Em 1984, decidiu encerrar a carreira de cronista regular, após 64 anos dedicados ao jornalismo. O poeta faleceu em 1987 deixando cinco obras inéditas: O avesso das coisas, Moça deitada na grama, Viola de bolso III, O amor natural e Farewell, além de crônicas e correspondências. Há livros de Drummond traduzidos para os idiomas alemão, búlgaro, chinês, dinamarquês, espanhol, francês, holandês, inglês, italiano, latim, norueguês, sueco e tcheco." (ANDRADE, 2009).


ANDRADE, C. D. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Introdução: O Lobo da Estepe II

"O livro tem sua parte, por assim dizer, politicamente correta: o personagem é antibelicista (de maneira quase agressiva), ecológico (a ponto de querer arrancar os edifícios para dar lugar a antigos parques e jardins); condena a sociedade capitalista (que gostaria de ver afogada para sempre). Mas tem também suas derrapadas e incongruências: a maneira como descreve Pablo, embora cheia de insinuações, tem algo de racista quando fala em seus "olhos de mestiço" (Kreolenaugen em alemão); a insistência na divisão elitista da sociedade entre homens "diferentes" (intelectualmente bem-dotados) e homens comuns (a massa ignara). Mas é incontestavelmente válida sua condenação da guerra e sua análise do nacional-socialismo que então tomava corpo na Alemanha. Outras das cenas singulares que ocorrem no Teatro Mágico (cujo sucedâneo hoje seriam os jogos virtuais) é, sem dúvida, a "caçada automobilística" em que Haller e seu ex-colega de escola Gustav se postam no belvedere de uma estrada para disparar contra todos os carros que aparecem. Gustav expõe sua teoria de que a guerra serve para equilibrar a proliferação humana e diz que tanto faz abater os carros que venham numa ou noutra direção, querendo Hesse com isso talvez significar que a guerra é uma insanidade sob qualquer ponto de vista. Ao mesmo tempo, Haller, veemente condenador da ação guerreira sob todas as suas formas, experimenta um estranho prazer em destroçar os veículos que surgem. Hesse terá provavelmente pretendido demonstrar com essa espécie de parábola que mesmo os seres ditos racionais podem se entregar à carnificina dependendo das circunstâncias em que se encontrem. Quando surge um transeunte que nada tem a ver com a existência ou a destruição dos carros, Haller pergunta a Gustav: "Você gostaria de atirar contra aquele homem e lhe fazer um buraco na nuca? Por Deus que eu não conseguiria." Ao que o amigo retruca: "Isso é porque não te ordenaram", podendo isso significar que até mesmo os bem-pensantes são capazes de violência e terror quando açulados por um Führer.

É claro que um livro como este tenha levantado protestos tanto da direita quanto da esquerda. O próprio Hesse, quando de sua publicação, reclamava que "a burguesia rejeitava o livro por ser impiedoso e desordenado, e os socialistas porque o achavam irremediavelmente individualista (ou seja, demasiadamente 'burguês', segundo eles)". Embora o livro seja tudo isso ao mesmo tempo, ele se coloca num lugar à parte graças a luminosidade de seu estilo, ao poderoso arsenal léxico de suas construções elaboradas, e mesmo à sua poesia, que, longe de nos darem a sensação de artificialismo, nos transmitem uma emoção de coisa vívida e vivida, de pulsação, de energia, de clarividência. Além disso, nunca se poderá esquecer que ele representou extraordinário avanço sobre a linguagem da época, com sua temática ousada, onde há referências explícitas ao uso de drogas e a comportamentos eróticos e homossexuais pouco freqüentes nas obras sérias de então.

Por este e outros motivos foi que, ao ser atribuído a Hesse o Prêmio Nobel de Literatura de 1946, Anders Österling, secretário da Academia desde 1941, entusiasmado defensor dessa candidatura proposta por Thomas Mann, teve de recuar de seu propósito de condecorar "obras cujo estilo arpesentasse audácias inovadoras" para atribuí-lo unicamente à poesia de Hesse, em que o melódico se funde numa vaga espiritualidade simbolista. Österling, que escrevera um vigoroso prefácio para a edição sueca de O Lobo da Estepe em 1932, só conseguira convencer seus pares a conceder a láurea a Hermann Hesse calando sobre os extraordinários impactos demolidores do escritor. Diante desses equívocos, o próprio Hesse achou conveniente escrever um posfácio ao livro, em que ressalta que "a história do Lobo da Estepe é, sem dúvida alguma, de sofrimentos e necessidades, mas mesmo assim não é um livro de um homem em desespero, mas o de um homem que crê. Embora trate de enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário, à redenção"." (HESSE, 2009, p. 8-10).


HESSE, H. O Lobo da Estepe. 1. ed. Trad. Ivo Barroso. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

Introdução: O Lobo da Estepe I

"Escrito em 1927, O Lobo da Estepe já desafiou, incólume, o gosto e as tendências de várias gerações, e agora adentra o terceiro milênio na certeza de que continuará a despertar a atenção de novos e mais céticos leitores. Porque este é um livro que não se lê inocuamente, por mera distração ou para se estar em dia com os sucessos do momento. É um livro que mexe, que altera, que subverte a estrutura psíquica do leitor e se coloca além do tempo e de suas influências por se ter transformado num clássico. Por isso, mesmo aqueles que já o leram em outras fases de sua vida encontram na releitura uma nova satisfação, descobrem nas sutilezas de sua trama, na profundidade de suas cogitações, no intrincado de sua simbologia, outras revelações que a experiência ou a apuração da sensibilidade literária lhes fará reconhecer.

É curioso notar que Hesse apresenta no livro três versões de seu personagem: a primeira, um suposto prefácio do editor, que na figura do sobrinho da senhoria do Lobo da Estepe relata o breve conhecimento que teve do hóspede. É a narrativa típica de um burguês que vê com estranheza a proximidade de um indivíduo singular, de hábitos conflitantes com os seus, os quais julga os únicos apropriados ao ser humano. A segunda é a narrativa do próprio personagem, Harry Haller, cujo nome alternativo já é uma insinuação de ser ele o alter ego do escritor. Na verdade, grandes partes da narrativa, em especial a evocação da juventude de Haller, são de cunho autobiográfico. Ademais, a propensão de Harry para viver em ambientes burgueses, embora abomine e vergaste a burguesia, torna seu perfil bastante próximo da idealização que dele faz o sobrinho da locadora. E a terceira, atribuída ao desconhecido autor do panfleto Tratado do Lobo da Estepe, que o personagem recebe de um propagandista ambulante, é vazada numa linguagem próxima do jargão psicanalítico e contém o estudo do comportamento de um "lobo da estepe", que é o retrato em corpo e alma inteiros dele mesmo.

Esse sistema tríplice de exposição vai se repetir nos outros personagens - Hermínia, Maria e Pablo -, que são desdobramentos da personalidade de Harry. A primeira, de forma insistente, afirma ser "o espelho de Harry", e o modo quase magisterial com que se expressa convém muito mais à formação cultural deste do que a uma garota de programa, que é a atividade dela. Hermínia chega mesmo, em determinado ponto da narrativa, a verbalizar a teoria de Ludwig Klages de que o corpo e a alma eram unos a princípio, até serem separados pelo intelecto, que se indentifica com a serpente paradisíaca, portanto, com o demônio, o que constitui uma das teses preferidas do Lobo. Se Hermínia é o componente feminino de Haller a partir do próprio nome (Hermann-Hermínia), Maria por sua vez é apenas o corpo que se entrega, a parte "disponível" de Hermínia, pois esta se recusa a unir-se com Haller e deseja ser "morta" por ele. Já Pablo é sua versão masculina, aquele que gostaria de ser, e por isso suas referências guardam necessariamente um caráter homossexual, masturbatório, ou seja, o ser copulando consigo mesmo. Todos esses personagens vão se encontrar no Teatro Mágico, uma espécie de eufemismo para o uso de drogas.

Tudo isso poderia levar o leitor a ver no livro uma dessas narrativas simbólicas, que necessitam de decodificação psicanalítica para seu melhor entendimento. Mas na verdade não chega a ser bem ou só isso. O cerne do livro é sem dúvida o conflito entre os impulsos naturais do ser e as contenções espirituais de sua contraparte. Mas, com pouco, o autor reconhece que a dualidade homem-lobo é por demais simplificadora, que dentro de cada ser há centenas, milhares de outros seres, enfim, que a personalidade humana está sujeita a uma infinidade de atitudes, que encerra toda espécie de labirintos.

A partir desse núcleo, pode-se dizer que o livro é um breviário de reeducação moral, de desmantelamento de um vida voltada para o ascetismo e sujeita a todo tipo de contenções, uma indução a que o personagem realize os impulsos que nele permaneciam sufocados. Quem conhece a juventude devota de Hesse - destinado por seus pais missionários à carreira eclesiástica; sua passagem por muitos seminários, donde foge finalmente para tentar vida autônoma na Suíça, como aprendiz de relojoeiro e caixeiro de livraria - percebe logo que o escritor fez da necessidade de "libertar" outros seres retraídos, semelhantes a ele, uma bandeira, um programa de vida literária, mediante a apresentação de paralelos que são capazes de reconciliar as partes antagônicas da personalidade. Não se esqueça de que Hesse, por essa época, tinha uma esposa em crise psiquiátrica e ele próprio se consultava em Luzerna com o Dr. J. Lange, discípulo de Jung.

A esse propósito, é admirável aquele momento do Teatro Mágico em que Haller (e conseqüentemente Hesse) recorda sua timidez diante da primeira namorada, a quem não ousa dizer as palavras que lhe teriam aberto as portas da plenitude. A possibilidade de revisão do passado, de passar a vida a limpo, que lhe oferece o Teatro Mágico, encerra a lição de que é preciso vencer as inibições mediante a coragem de agir. Hesse pratica aí uma espécie de surrealismo avant la lettre fazendo a existência prevalecer à essência, como na famosa proposição de Sartre. No fim, percebe-se que o Lobo da Estepe, sem abrir mão de seu refinamento, de seu elitismo, de sua sublimação musical, quer e pode igualmente participar do mundo dos comuns e nele reconhecer alegrias que outrora lhe pareciam vedadas ou indignas. O Lobo da Estepe é, pois, um Bildungsroman goethiano em sentido contrário, onde se cruzam temas de Hoffmann, Nietzsche, Freud e Dostoiévski." (HESSE, 2009, p. 5-8).


HESSE, H. O Lobo da Estepe. 1. ed. Trad. Ivo Barroso. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.
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