sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Introdução: Crime e castigo IV

Vida de escritor


 "Não foi um momento fácil para Fiódor, que tinha sido reprovado em algumas matérias na Academia e escrevera ao pai pedindo dinheiro para continuar levando a vida longe de casa. Ele se sentiu 'abatido e esmagado pela culpa', segundo Frank, quando soube da tragédia. Pelas informações que Freud havia obtido, dataria desse período a primeira crise de epilepsia de Dostoiévski; já o biógrafo lembra que não há dados que a comprovem - outros relatos sugerem que o primeiro ataque aconteceu muito tempo depois, na Sibéria.

Agora, sem a tutela do pai e com pouco dinheiro para viver, Dostoiévski aproveita para se aprofundar em sua paixão pela literatura, mergulhando na vida literária de São Petersburgo, fazendo novos amigos e escrevendo, em seu caderno, o rascunho de Gente pobre, romance de estreia do escritor, publicado em 1846. Sua vida passou a ser voltada para os textos literários. É a época em que traduz Eugénie Grandet, de Balzac, que seria publicado em russo em 1844.

O primeiro passo estava dado. Pouco depois, consegue terminar seu romance de estreia, cujos manuscritos logo chegaram às mãos do importante crítico V. G. Belínski. Ele fica surpreso com o que lê. 'Não consigo largá-lo há quase dois dias. É um romance de principiante, um novo talento', disse a um colega. Neste romance, construído de forma epistolar  e que logo passou a ser bastante comentado, Dostoiévski já revelava seu interesse pelos humilhados e ofendidos, por aquela pobre gente de São Petersburgo.

O sucesso repentino possibilitou ao jovem viver apenas da literatura. Chegou a conseguir um adiantamento de um editor. Mas, como sempre, aquilo se tornou uma cilada. Para poder se manter, viu-se obrigado a escrever folhetins para jornais e revistas, gênero literário que estavam em alta na Rússia. Mas sua carreira, e sua vida, estavam prestes a dar uma guinada radical.

Publicou seu segundo romance, O duplo, que não recebeu a mesma acolhida do primeiro. Belínski o considerou psicológico demais. O escritor afasta-se do núcleo de escritores que se formou em torno do crítico e se isola. Por essa época, conheceu um rapazola com ideias socialistas, de 26 anos. Era Mikhail Butachévitch Petrachévski. Apesar de não aderir integralmente à ideologia do amigo, ele passa a comparecer às reuniões, todas às sextas-feiras, na casa deste, onde a conversa madrugava sobre diversos assuntos, principalmente política. Dostoiévski era um crítico feroz do regime de servidão na Rússia. O círculo de Petrachévski, com suas ideias avançadas, já vinha sendo vigiado pela polícia havia muito tempo. Certa noite, pouco depois de ir se deitar, por volta das quatro da madrugada, Fiódor foi acordado pelo chefe de polícia. Ele estava sendo acusado de conspirar contra o soberano russo, Nicolau I, e instigar uma revolução de camponeses contra a escravidão.

Dostoiévski foi preso e condenado à morte. Quando já se encontrava diante do pelotão de fuzilamento, sem nenhuma alternativa, o imperador comutou a pena e condenou os revoltosos a trabalhos forçados na Sibéria, por quatro anos - essa dura experiência seria relatada no romance autobiográfico Recordações da casa dos mortos. Foram quatro anos no presídio de Omsk, onde enfrentou todo tipo de humilhação, e pôde estudar de perto a 'moralidade profundamente arraigada dos camponeses', além de se deparar com o ódio dos presos comuns aos presos intelectuais, como ele.

Em 1854, é mandado para Semipalatinsk, onde é incorporado ao Sétimo Regimento do Corpo de Exército, como soldado-raso. Lá, conheceu Maria Dmítrievna Issáiev, que era casada, mas logo ficaria viúva. Foi uma grande paixão - e os dois se casariam, em 1857. Pouco tempo depois, morre Nicolau I, sucedido no trono por seu filho Alexandre II. Estava chegando ao fim o martírio do escritor, pois em breve Alexandre, que aboliu a servidão, lhe permitiria voltar para casa, e ele poderia enfim recomeçar sua vida em São Petersburgo." (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 382-84).


DOSTOIÉVSKI, F. Crime e castigo - Vol. I. Trad. Rosário Fusco. São Paulo, SP: Abril, 2010.

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