Tonio Kröger: o Mischling como artista prototípico
"Mann expressou suas idéias sobre o papel do artista na sociedade burguesa em Tonio Kröger (1903), a estória de um rapaz de origem racial mestiça que sofre o conflito de ser um burguês artisticamente dotado. Como observei na primeira parte do livro, há muito de autobiográfico nesta novela, de sua locação no Norte da Alemanha de da origem familiar de Tonio até a posição de compromisso que ele alcança com as imposições e limitações da sociedade burguesa. A aparência física e temperamento de Tonio refletem a visão que Mann tinha de si mesmo: de sua mãe exótica que ele herdou a face morena, a propensão ao devaneio e a melancolia que o fazem ter uma relação privilegiada com o intelecto. Estes 'dotes' o distinguem e o marcam com relação aos loiros, àqueles que vivem o mundo iluminado da sociedade normal devotados à ação e ao comportamento extrovertido.
Tonio Kröger pode ser interpretado como uma tentativa de solução da contradição entre o artista e a sociedade burguesa. Esta tensão foi deixada irresolvida pelo romantismo e atingiu seu pico no final do século XIX com o esteticismo. O artista nunca estivera tão distante de sua classe e a idéia do l'art pour l'art era parte de um contexto político que negava qualquer possibilidade de crítica da sociedade.
A novela expõe as dúvidas de Mann sobre sua identidade como alemão e burguês. Os intelectuais alemães compartilhavam com sua classe original - a Bildungsbürgertum - o discurso de 'identidade nacional' que estabeleceu suas identidades diante da aristocracia decadente do século XIX. O problema do artista foi que logo que ele passou a ser associado com grupos marginais e não com a nação, e sua marginalidade era justificada biologicamente por vários cientistas. O típico alemão era o burguês, enquanto o artista era visto como um dissidente intelectual. Mann, em seu tratado político de 1918, chegaria a observar:
Pois o caráter alemão e o burguês são o mesmo; se 'espírito' for mesmo de origem burguesa, então o espírito alemão é burguês de uma forma especial. [...] Dizer que em Schopenhauer e Wagner alguém se encontra na esfera burguesa, que alguém recebe uma educação burguesa através deles, parece contrário ao bom senso, pois é difícil conectar o conceito de natureza burguesa [Bürgerlichkeit] com aquele do gênio (MANN, 1922: 80)." (MISKOLCI, 2003, p. 104-5).
"Mann expressou suas idéias sobre o papel do artista na sociedade burguesa em Tonio Kröger (1903), a estória de um rapaz de origem racial mestiça que sofre o conflito de ser um burguês artisticamente dotado. Como observei na primeira parte do livro, há muito de autobiográfico nesta novela, de sua locação no Norte da Alemanha de da origem familiar de Tonio até a posição de compromisso que ele alcança com as imposições e limitações da sociedade burguesa. A aparência física e temperamento de Tonio refletem a visão que Mann tinha de si mesmo: de sua mãe exótica que ele herdou a face morena, a propensão ao devaneio e a melancolia que o fazem ter uma relação privilegiada com o intelecto. Estes 'dotes' o distinguem e o marcam com relação aos loiros, àqueles que vivem o mundo iluminado da sociedade normal devotados à ação e ao comportamento extrovertido.
Tonio Kröger pode ser interpretado como uma tentativa de solução da contradição entre o artista e a sociedade burguesa. Esta tensão foi deixada irresolvida pelo romantismo e atingiu seu pico no final do século XIX com o esteticismo. O artista nunca estivera tão distante de sua classe e a idéia do l'art pour l'art era parte de um contexto político que negava qualquer possibilidade de crítica da sociedade.
A novela expõe as dúvidas de Mann sobre sua identidade como alemão e burguês. Os intelectuais alemães compartilhavam com sua classe original - a Bildungsbürgertum - o discurso de 'identidade nacional' que estabeleceu suas identidades diante da aristocracia decadente do século XIX. O problema do artista foi que logo que ele passou a ser associado com grupos marginais e não com a nação, e sua marginalidade era justificada biologicamente por vários cientistas. O típico alemão era o burguês, enquanto o artista era visto como um dissidente intelectual. Mann, em seu tratado político de 1918, chegaria a observar:
Pois o caráter alemão e o burguês são o mesmo; se 'espírito' for mesmo de origem burguesa, então o espírito alemão é burguês de uma forma especial. [...] Dizer que em Schopenhauer e Wagner alguém se encontra na esfera burguesa, que alguém recebe uma educação burguesa através deles, parece contrário ao bom senso, pois é difícil conectar o conceito de natureza burguesa [Bürgerlichkeit] com aquele do gênio (MANN, 1922: 80)." (MISKOLCI, 2003, p. 104-5).
MISKOLCI, R. Thomas Mann, o artista mestiço. 1. ed. São Paulo, SP: Annablume, Fapesp, 2003.
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