sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A Montanha Mágica, p. 39-42

"Este (Hans Castorp) se criou num clima abominável, entre o vento e bruma. Ia crescendo, se assim se pode dizer, dentro de um impermeável amarelo. Contudo sentia-se perfeitamente bem." (MANN, 1952, p. 39).


"Como se vê, empenhamo-nos em anotar tudo quanto possa prevenir o espírito do leitor a favor de Hans Castorp. Mas julgamo-lo sem exagero, e não o apresentamos nem melhor nem pior do que era. Hans Castorp não era nem um gênio nem um imbecil, e a razão de evitarmos, para sua qualificação, o termo 'medíocre' reside em circunstâncias que nada têm que ver com sua inteligência e quase nada com a sua singela personalidade; fazemo-lo devido ao respeito que temos pelo seu destino, ao qual nos sentimos inclinados a atribuir certa significação ultra-individual. Seu cérebro satisfazia as exigências do curso científico do colégio, sem que tivesse de recorrer a excessivos esforços - que decerto não teria realizado em nenhuma ocasião e por nenhum objetivo; menos por medo de se prejudicar do que por não ver nenhum motivo para empreendê-los; ou melhor: por não ver nenhum motivo absoluto. É precisamente por isso que o não chamamos de medíocre, já que ele percebia, desta ou daquela forma, a ausência de tais motivos." (MANN, 1952, p. 42).


"O homem não vive somente a sua vida individual; consciente ou inconscientemente participa também da vida da sua época e dos seus contemporâneos. Até mesmo uma pessoa inclinada a julgar absolutas e naturais as bases gerais e ultrapessoais da sua existência, e que da idéia de criticá-las permaneça tão distante quanto o bom Hans Castorp - até uma pessoa assim pode facilmente sentir o seu bem-estar moral um tanto diminuído pelos defeitos inerentes a essas bases. O indivíduo pode visar a numerosos objetivos pessoais, finalidades, esperanças, perspectivas, que lhe dêem o impulso para grandes esforços e elevadas atividades; mas, quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece no fundo de esperanças e perspectivas, quando se lhe revela como desesperador, desorientado e falto de saída, e responde com um silêncio vazio à pergunta que se faz, a pergunta pelo sentido supremo, ultrapessoal e absoluto, de toda atividade e de todo esforço - então se tornará inevitável, justamente entre as naturezas mais retas, o efeito paralisador desse estado de coisas, e esse efeito será capaz de ir além do domínio da alma e da moral, e de afetar a própria parte física e orgânica do indivíduo. para um homem se dispor a empreender uma obra que ultrapasse a medida das absolutas necessidades, sem que a época saiba uma resposta satisfatória à pergunta 'Para quê?', é indispensável ou um isolamento moral e uma independência, como raras vezes se encontram e têm um quê de heróico, ou então uma vitalidade muito robusta. Hans Castorp não possuía nem uma nem outra dessas qualidades, e portanto deve ser considerado medíocre, posto que num sentido inteiramente decoroso." (MANN, 1952, p. 42-3).


MANN, T. A Montanha Mágica. 1. ed. Trad. Herbert Caro. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1952.

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