quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A Montanha Mágica, p. 6-22

"No entanto, não será o caráter de antiguidade de uma história tanto mais profundo, perfeito e lendário, quanto mais próxima do presente ela se passar? Além disso, poderia ser que também sob outros aspectos a nossa história, pela sua natureza íntima, tenha isto e aquilo em comum com a lenda." (MANN, 1952, p. 6).


"Dois dias de viagem apartam um homem - e especialmente um jovem que ainda não criou raízes firmes na vida - do seu mundo cotidiano, de tudo quanto ele costuma chamar seus deveres, interesses, cuidados e projetos; apartam-no muito mais do que esse jovem imaginava enquanto um fiacre o levava à estação. O espaço que, girando e fugindo, se roja de permeio entre ele e seu lugar de origem, revela forças que geralmente se julgam privilégio do tempo; produz de hora em hora novas metamorfoses íntimas, muito parecidas com aquelas que o tempo origina, mas em certo sentido mais intensas ainda. Tal qual o tempo, o espaço gera o olvido; porém o faz desligando o indivíduo das suas relações e pondo-o num estado livre, primitivo; chega até mesmo a transformar, num só golpe, um pedante ou um burguesote numa espécie de vagabundo. Dizem que o tempo é como o rio Letes; mas também o ar de paragens longínquas representa uma poção semelhante, e seu efeito, conquanto menos radical, não deixa de ser mais rápido." (MANN, 1952, p. 8).


"No meio dessas conversas, Joachim se entristeceu ao pensar no seu infortúnio.

- Pois é, aqui estamos e nos divertimos - disse com uma expressão dolorosa, ainda interrompido, de vez em vez, pelas trepidações de seu diafragma -, e no entanto não posso prever, nem de longe, quando poderei sair daqui. Pois, quando Behrens me diz: 'Mais meio ano', sei que preciso preparar-me para um prazo maior. É bem duro isso. Você deve compreender como é triste para mim. Já me haviam aceitado no exército, e no mês que vem poderia fazer exames para oficial. Agora vivo aqui vadiando, com o termômetro na boca, conto os erros dessa ignorantona da Sra. Stöhr e perco meu tempo. Um ano tem tanta importância na nossa idade, traz tantas alterações e tantos progressos na vida lá de baixo! E eu obrigado a estagnar aqui como uma poça d'água, sim, senhor, como um charco apodrecido. Não há exagero nenhum nessa comparação." (MANN, 1952, p. 21-2).


MANN, T. A Montanha Mágica. 1. ed. Trad. Herbert Caro. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1952.

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