sábado, 15 de janeiro de 2011

Tonio Kröger, p. 38-9

"- Também a mim a primavera põe nervoso, também a mim a encantadora trivialidade dos anseios e sentimentos que ela desperta me põe confuso; só que não consigo repreendê-la e desprezá-la por isso; pois acontece que me envergonho dela, envergonho-me de sua pura naturalidade e de sua triunfante mocidade. Não sei se devo invejar Adalberto ou menos – desprezá-lo, porque não entende nada disso... Trabalha-se mal na primavera, é certo, e por quê? Porque se sente. E porque é um ignorante aquele que acredita que o criador pode sentir. Todo verdadeiro e sincero artista sorri da ingenuidade deste engano charlatão; melancólico, talvez, mas sorri. Pois aquilo que se diz nunca deve ser o essencial, mas tão somente o material, indiferente em princípio, de que se compõe a criação estética numa leve e serena superioridade. Se der demasiado valor àquilo que tem a dizer, se o seu coração bater com calor demasiado por isso, pode estar certa de um completo fiasco. Você torna-se sentimental, algo de pesado, de sério-desajeitado, sem ironia, desgovernado, sem tempero, monótono, banal se forma sob suas mãos, e o fim é nada mais que indiferença por parte das pessoas, nada mais que desilusão e lamentação de sua parte... Pois Lisavieta: o sentimento, o cálido e cordial sentimento é sempre banal e sem utilidade; artísticos são somente nossas irritações e os frios êxtases de nosso corrompido e artificioso sistema nervoso. É preciso que se seja algo fora da humanidade ou desumano, que esteja para a humanidade numa relação estranhamente distante e indiferente, para ser-se capaz de interpretar ou mesmo sentir-se tentado a isso, interpretar para apresentar de modo efetivo e com gosto. O dom para o estilo, forma e expressão já pressupõe esta fria e descontente relação para com a humanidade. Pois o sentimento são e forte - isto está confirmado - não tem gosto. Morre o artista quando se torna homem e começa a sentir." (MANN, 1971, p. 38-9).


MANN, T. Tonio Kröger - Morte em Veneza. 1. ed. São Paulo, SP: Editora Abril, 1971.

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