sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Introdução: Tonio Kröger I

Tonio Kröger


"Em sua novela autobiográfica, Mann desenvolveu e aprofundou o tema do artista de origem mestiça que abordara de forma menos enfática em Os Buddenbrook. Tonio Kröger (1903) expõe de forma mais clara as reflexões do jovem autor sobre a identidade do artista. O título inicial da obra era Literatura, o que esclarece de antemão que Mann, ao referir-se à arte em geral, costuma se referir às letras.

Esteticamente, Tonio Kröger é uma obra imperfeita. A consciência que o autor possuía deste fato foi revelada através das formas como a denominou, inicialmente como 'novela curta', mais tarde como 'balada em prosa' e, por fim, simplesmente de 'relato'. Na época em que o escreveu, Mann estava mais preocupado com a mensagem do que com a forma, o que atesta sua afirmação de que sua obra curta era 'uma declaração de amor à vida que, por seu caráter claro e direto, chega às vezes a deixar a esfera da arte' (MANN apud REICH-RANICKI, 1989: 88).

O autor afirmaria diversas vezes durante sua vida que os artistas são mais ingênuos, irresponsáveis e banais do que pensam os críticos, os quais pressupõem que eles são muito mais conscientes do que são em realidade. Com certeza tal afirmação se aplica a muitos escritores, mas indubitavelmente não se pode aplicá-la a Thomas Mann, e menos ainda como o criador de Tonio Kröger. Marcel Reich-Ranicki chegou a qualificar a novela como obra de intenção clara e abertamente programática, a qual não encontra paralelo em nenhum de seus contemporâneos e exerceria influência duradoura na literatura universal.²

2. Kafka tinha predileção pelo Tonio Kröger. A influência de Thomas Mann na obra do escritor de Praga se faz notar até seus últimos anos de vida; de forma clara em Um artista da fome. Hermann Hesse também deixa transparecer a influência desta obra de Mann em Demian (1919), romance de formação em que se utiliza da mesma metáfora do chiaro-scuro para colocar em relevo seu protagonista, também associado à estirpe de Caim. Curiosamente, o influenciado termina por influenciar e Mann inspirou-se no ocultismo de Hesse para estruturar A montanha mágica (1924) como uma iniciação alquímica." (MISKOLCI, 2003, p. 38).


"Com sua novela, Mann ataca a legitimidade de outras concepções do artista, considerando-as negativas quer do ponto de vista da sociedade quer do que considerava o 'verdadeiro' artista, o mediador entre a vida e o conhecimento. Tonio Kröger serviu para fortificar sua interpretação da vocação burguesa como a única forma de prover disciplina e equilíbrio àquele sempre tentado pelo niilismo, pela séduction de la mort à qual sucumbiria se não conseguisse encontrar seu caminho de retorno para a sociedade." (MISKOLCI, 2003, p. 43).


MISKOLCI, R. Thomas Mann, o artista mestiço. 1. ed. São Paulo, SP: Annablume, Fapesp, 2003.

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