sábado, 15 de janeiro de 2011

Tonio Kröger, p. 31-2

"Ele seguia o caminho que devia seguir, um pouco negligente e sem ritmo, assobiando, com a cabeça inclinada para o lado, olhando para a distância, e, quando errava o caminho, isto acontecia porque para alguns seres não existem caminhos certos. Quando lhe perguntavam o que pensava ser, dava informações contraditórias, pois que costumava dizer (e já tomara nota disto) que trazia em si possibilidades para mil existências, tendo no íntimo o conhecimento de, no fundo, serem tudo coisas impossíveis..." (MANN, 1971, p. 31).


"Ele se entregou completamente ao poder que lhe parecia o mais elevado deste mundo, para os serviços aos quais se sentia destinado e que lhe prometiam grandeza e honra, ao poder do espírito e da palavra, que, sorrindo, reina sobre o mundo instintivo e mudo. Com seu jovem entusiasmo dedicou-se a ele, e este retribuiu-lhe com tudo o que tinha para presentear, dele tomando em pagamento, implacávelmente, tudo o que costuma exigir.

Aguçou o olhar, fazendo-o compenetrar-se das grandes palavras que enchem o peito do homem, descobriu-lhe as almas dos homens e a sua própria, deu-lhe clarividência e mostrou-lhe o fim que está atrás das palavras e atos. Mas o que ele via era isto: comicidade e miséria - comicidade e miséria.

Então veio a solidão, com o tormento e o orgulho da cognição, porque não se sentia bem no círculo dos inocentes com a alma alegre e obscura e estes, por sua vez, sentiam-se perturbados pelo sinal na sua testa. Mas a alegria na palavra e nas formas se tornou cada vez mais doce para ele, pois costumava dizer (e já tomara nota disto) que o conhecimento da alma somente nos faria infalívelmente tristonhos, se o contentamento da expressão não nos conservasse acordados e alegres..." (MANN, 1971, p. 32).


MANN, T. Tonio Kröger - Morte em Veneza. 1. ed. São Paulo, SP: Editora Abril, 1971.

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